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Destinos traçados

  • barbarablanco
  • Sep 12, 2019
  • 3 min read

Bárbara Blanco


O metrô virou uma verdadeira feirinha. Nesse pra lá e pra cá de objetos à venda ou artistas tocando por uns trocados, vez ou outra aparece um pedindo dinheiro com aquele típico papel escrito sobre como ele espera que Deus toque no nosso coração para ajudar. Hoje, obviamente, não seria diferente.

No meio de um devaneio, eu ouço "Por favor, gente, peço que me ajudem....", aquele discurso que todos conhecemos. Até porque, em situação igual a dele, vemos tantos que não parece que algum dia haverá volta. De qualquer forma, o menino negro de cerca de uns onze anos de mão dada com o irmãozinho de uns sete passa por entre o vagão pedindo pelo amor de Deus que alguém tenha a misericórdia de lhe dar 5 centavos, ou, talvez, alguma sobra de comida do almoço ou lanche da tarde, para que ele possa ajudar a mãe e para que eles possam comer a primeira refeição do dia. Olho no relógio. Dezessete horas da tarde. Aquele menino e seu irmão devem estar com o estômago roncando tão alto que daria para ouvir daqui. A angústia toma meu coração e eu lhes dou um bolinho que, para mim, não faria de fato diferença, mas, para eles, talvez seja ainda a única coisa a comer até a próxima rodada de esmolas.

Embora o meu coração tenha se apertado, vejo uma senhora o olhar de cima a baixo e agarrar o telefone, com cara de nojo. Outro senhor reclama que ali não é local para aquilo. Vejo vários que olham para o outro lado e fingem que aquele ser humano de carne, ossos e sangue correndo por suas veias, exatamente como o resto de nós, não existe. É tão vívida a completa falta de compaixão por aqueles dois meninos que deviam estar na escola ou jogando bola, com uma refeição completa os esperando em casa.

"Estação Trianon-Masp". Os dois sentados se deliciando com o bolinho sem graça de baunilha (eu nem mesmo gostava daquele sabor) que parecia seu paraíso. Ao mesmo tempo que vejo essa cena, ouço uma mãe entrar com seus dois filhos, um deles chorando de forma estridente no vagão. No mesmo minuto penso que verei as mesmas pessoas de antes se estressarem e saírem bufando do metrô, talvez até para esperar o próximo passar. Tudo para não ver mais um pirralho não calar a boca e estragar seu dia de paz. Mas, ao de fato olhar suas reações, encontro em seus olhares carinho e compreensão. A senhora, antes desconfiada, pergunta agora se a mãe gostaria de ajuda, se o seu filho de cerca de quatro anos chorando precisaria de algo ou se ela queria que ajudasse com o outro de uns seis enquanto seu foco era no menor, porque, como ela disse, tem netinhos mais ou menos naquela idade. A mãe agradece e nega, dizendo que eles só estão cansados. O senhor, antes rabugento, agora olha para a criança e manda um "tchauzinho", rindo de como o menino mais velho aparentava sono enquanto esfregava os olhos azuis com as mãos e pedia colo para a mamãe. O vagão todo olhava aqueles meninos com delicadeza. Vejo duas mulheres comentarem como aquelas crianças são lindas e se os seus serão assim quando os tiverem.

Olho primeiro para a mãe e depois para os dois meninos que acabaram de guardar um pedaço do minúsculo bolo para mais tarde e me pergunto quando foi que uma vida passou a valer mais do que outra. Quando deixamos de nos sensibilizar com tamanha desigualdade. Será que houve um momento na história em que aqueles quatro receberiam reações semelhantes? Será que se os negros fossem brancos, teriam aquele tratamento? Será que os dois negros algum dia terão as mesmas oportunidades que serão dadas aos dois com a mãe no vagão? Muito possivelmente não. Seus destinos já estavam marcados no papel. Os dois loiros iriam para a faculdade e teriam empregos incríveis, enquanto sua família lhes apoiava a cada etapa. Infelizmente, esse caminho não seria igual para todos.

"Estação Brigadeiro". Após comerem o bolo e se levantarem, os meninos saem para tentar a sorte no próximo vagão. A mãe com seus filhos lhes diz que os ama, que logo chegarão em casa e ficará tudo bem, conforto esse que os outros dois nunca vão ter com a certeza de que tudo realmente lhes dará certo.

 
 
 

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